7 de ago. de 2011

Desnaturalização

É muito comum no nosso cotidiano ouvirmos a expressão: “– Isso é natural”. Esta expressão nos remete à ideia de algo que sempre foi, é ou será da mesma forma, imutável no tempo e no espaço. Em consequência, é por isso que também ouvimos expressões como: “– É natural que exista a desigualdade social, pois afinal está na Bíblia e os pobres sempre existirão”.

Assim, as pessoas manifestam o entendimento de que os fenômenos sociais são de origem natural, nem lhes passando pela cabeça que tais fenômenos são na verdade constituídos socialmente, isto é, historicamente produzidos, resultado das relações sociais e ações humanas.

Para desfazer esse entendimento imediato, um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sempre recorrente de se explicarem as relações sociais, as instituições, os modos de vida, as ações humanas, coletivas ou individuais, a estrutura social, a organização política etc. com argumentos naturalizadores.

Primeiro, perde-se de vista a historicidade desses fenômenos, isto é, que nem sempre foram assim; segundo, que certas mudanças ou continuidades históricas decorrem de decisões, e essas, de interesses, ou seja, de razões objetivas e humanas, não sendo fruto de tendências naturais.

Procurando fazer uma ponte entre o estranhamento e a desnaturalização, pode-se afirmar que a vida em sociedade é dinâmica, em constante transformação; constitui-se de uma multiplicidade de relações sociais que revelam as mediações e as contradições da realidade objetiva de um dado período histórico. É representada por um conjunto de ações que se caracterizam pela capacidade de alterar o curso dos acontecimentos, e provocar transformações no processo histórico. 

Se o objeto de análise da Sociologia tem como foco principal a vida social, e todos nós fazemos parte desse objeto – seres sociais em ação e, ao mesmo tempo, protagonistas da análise sociológica –, como manter o distanciamento necessário para a apreensão científica do real?

Uma das respostas a esse questionamento está na postura inicial de atuação das Ciências Sociais, que supõe a superação do senso comum em direção a uma análise científica da sociedade. É o estranhamento diante de situações já consagradas como óbvias, familiares, naturais que caracteriza e confere especificidade às ciências sociais. Estranhar o já conhecido, o tido como natural, permite que fenômenos aparentemente evidentes revelem dúvidas, contradições, desmandos e arbitrariedade em sua composição.  Colocar- se à distância do fenômeno social  – ainda que  o mesmo faça parte da experiência de vida do pesquisador – é a possibilidade de ultrapassar os limites do senso comum – que supõe a naturalidade da cultura, a transparência do social –, e inquietar-se com questões rotineiras e consagradas pela normalidade.

É essa propriedade das Ciências Sociais – olhar para além da realidade imediata –, que possibilita a dessacralização e desnaturalização dos fenômenos sociais, ao submetê-los a argumentos racionais e análises criteriosas: pois os fenômenos sociais não participam do sagrado – não são obras divinas –, nem da natureza – não são regidos por leis naturais –: são humanos.

É contribuição das Ciências Sociais, como a disciplina Sociologia para o nível médio, propiciar aos jovens o exame de situações que fazem parte do seu dia a dia, imbuídos de uma postura crítica e atitude investigativa. É sua tarefa desnaturalizar os fenômenos sociais, mediante o compromisso de examinar a realidade para além de sua aparência imediata, informada pelas regras inconscientes da cultura e do senso comum




MORAES, Amaury Cesar; GUIMARAES, Elisabeth da Fonseca. Metodologia de ensino de ciências sociais: relendo as OCEM-Socologia. In: MORAES, Amaury Cesar(Coord.). Sociologia: ensino médio.  Coleção Explorando o Ensino; v. 15. Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p.15-44.

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