17 de out. de 2011

Colonialismo

João Pedro Penteado n⁰14, Maria Carolina Erbolato n⁰19 e Milton Schivitaro n⁰21   3⁰A

Texto resumido do primeiro capítulo do livro “Sentimento do Brasil: Caio Prado Junior - continuidades e mudanças no desenvolvimento da sociedade brasileira” de Rubem Murilo Leão Rego, Editora Unicamp.

INTRODUÇÃO

    Para se entender a formação da sociedade brasileira, um importante ponto a ser compreendido são os fins mercantis que Portugal (Metrópole) tinha para com o Brasil (Colônia). Foram as mudanças e as rupturas desse fundamento mercantil que marcaram os processos decisivos de nossos retrocessos e transformações econômicas, políticas e sociais.
    Até o século XVII, os interesses portugueses e nacionais de colonização, desbravamento e exploração do território eram pontos comuns. Mas com o passar do tempo surge um processo de diferenciação dos interesses provocado pelo notável desenvolvimento econômico da Colônia e pelo obstáculo que representava a estreiteza do regime colonial. Nessa época o desenvolvimento foi caracterizado pela expansão das exportações e descoberta, no final do século, das minas de ouro.
    Por consequência desse desenvolvimento, tornam-se cada vez maiores as restrições comerciais. As medidas tomadas acentuaram ainda mais o papel de Portugal como intermediário necessário de todos os negócios externos do Brasil. Uma das medidas foi a criação do sistema de companhias privilegiadas.
    Em todo o decorrer do século XVII não se passou um ano em que Portugal não inventasse uma nova forma de sugar a colônia, pois o Brasil se tornava a única base para a atividade mercantil do Reino e qualquer concorrência com produtos da metrópole era cerceada. Exemplo disso foi a proibição do desenvolvimento de manufaturas em 1785.
    Assim, Portugal “deixou que o país evoluísse, que se formasse uma economia suscetível de exploração, para depois se atirar num verdadeiro saque organizado”. E é por causa desse ciclo que o regime e o estatuto colonial irão ter seu fim.
    Até o processo de independência, os representantes metropolitanos “fazem-se senhores do comércio”, prosperando “à sombra da opressiva política comercial da metrópole” e se tornando inimigos das outras classes da colônia.
    A situação da lavoura sofria a destruição provocada pela ocupação holandesa; havia escassez de mão-de-obra; elevação dos preços dos gêneros de subsistência, dos quais a grande lavoura dependia; pagava o ônus da dependência aos monopólios comerciais; endividamento.
    As diferenças financeiras entre comerciantes e proprietários rurais, formavam a principal fonte de hostilidade social e política.
    É nesse momento que o processo de emancipação sem ruptura aparece; é o próprio governo metropolitano que vai lançar as bases da autonomia brasileira. Entre os vários elementos que compõem esse processo destaca-se a diplomacia britânica que conseguiu impor um “comércio exclusivo” entre a Inglaterra e o Brasil.
    O importante é reter que a abertura comercial (dos portos) contribuiu tanto para a desorganização da vida “semipatriarcal dos grandes domínios” como para o fortalecimento do sentido mercantil das atividades produtivas.
    Nesse quadro de expansão produtiva, a centralidade do capital comercial se torna ainda mais evidente nas considerações sobre a importância decisiva que assume o tráfico de escravos.
    Mas, mesmo com as mudanças que a esse respeito se processam no país em consequência da supressão do tráfico negreiro, o que se voltou a enfatizar foi o fato de que a vida comercial no Brasil se intensificou.
    O Brasil dá nesse período seus primeiros passos no sentido de sua “modernização”. A velha estrutura colonial entra em uma fase de completa remodelação. Essa transformação já estava indicada pelas novas condições do Brasil na economia internacional que foram provocadas pelo isolamento colonial e o processo de independência.
    Conclusivamente, a evolução política progressista do Império corresponde assim, no terreno econômico, à integração sucessiva do país em uma forma produtiva superior: a forma capitalista.



1.    A IMPOSIÇÃO DE UM DESTINO: O SENTIDO MERCANTIL

A colonização brasileira foi natural e espontânea, o que torna fundamental o esclarecimento do caráter que Portugal imprime à sua obra colonizadora.
    A expansão marítima européia é consequência do desenvolvimento do comercio continental europeu. O fato que a distingue inicialmente é que se origina de simples empresas comerciais. Será este o caráter que assumirá o processo de ocupação e exploração de vários territórios novos.
    A descoberta americana se constituiu em obstáculo oposto à realização dos objetivos comerciais. Apenas ocupavam-se as terras com agentes comerciais, funcionários e militares para a defesa, organizando-se simples feitorias.
    Como o território americano não contava com uma estrutura produtiva de bens mercantis já constituída, surge a necessidade de criação de um povoamento capaz de organizar a produção de gêneros que interessassem ao comércio – esse é o fundamento da  ideia do povoamento.
    Esse povoamento, portanto se deu a partir da necessidade da produção de gêneros que faltavam no mercado europeu, tais como açúcar, tabaco, algodão etc. O que caracterizou o Brasil como uma colônia de exploração.
    No entanto, o colono europeu “viria como dirigente da produção e só a contra gosto como trabalhador”, o que causa a falta de mão-de-obra. Essa situação de instabilidade que persistia nos primeiros anos da colonização, devido à falta de trabalhadores, sofre uma reversão com a adoção definitiva do escravo africano. Dessa forma, o europeu ficará apenas como dirigente e grande proprietário rural.


2.    LENTA ESTABILIDADE E FORÇAS DE DESAGREGAÇÃO

Com isso o Brasil vai lentamente adquirindo um sentido de “uma sociedade com características nacionais e qualidades de permanência.”
O processo colonizador implantou um novo tipo de agricultura: agricultura comercial extensiva e em larga escala. Mas, nos trópicos, “a produção contou com os recursos naturais abundantes, com a exuberância da vegetação e as reservas secularmente acumuladas num solo virgem”. Em um determinado momento as riquezas iriam se esgotar e não poderiam ser repostas.
Esse mesmo sentido estava presente na atividade mineradora, de forma semelhante à grande lavoura; ambas se destinam à exploração de produtos que têm por objetivo a exportação – são as atividades que se desenvolvem à margem das necessidades próprias da sociedade brasileira, indo contra os interesses da  coletividade brasileira.
Tudo isso aliado a não estimulação e aperfeiçoamento técnico da produção, apenas reafirmava os fundamentos gerais do sistema de colonização.
Quanto ao comércio externo, o seu fundamento estava na garantia do “privilégio da navegação” em favor dos interesses metropolitanos, o que lhe estabelecia a “exclusividade do comércio externo do Brasil”. Somente em 1808 é que essas condições privilegiadas foram suprimidas, apesar de não ter resultado na eliminação da centralidade que exercia a atividade mercantil. Exemplo disso era a importância que permaneceu tendo a atividade comercial com o exterior.
Quanto ao comércio interno, diz o autor: “São os gêneros que circulam do lugar de produção e das mãos do produtor para os portos de embarque e casas exportadoras; e as mercadorias estrangeiras que se distribuem daqueles portos pelo resto do país que constituem o seu maior volume”.
Nesse momento, o comércio de gado tem grande importância. As rotas seguidas pelas boiadas tiveram a função de entrelaçar as diferentes regiões brasileiras. Paralelamente ao comércio de gado, desenvolve-se o do charque e o da carne-seca, formando um novo segmento social no Brasil.
Junto a isso, a grande exportação de produtos tropicais, do ouro e dos diamantes, se destinam, via metrópole, ao abastecimento do comércio internacional, constituindo o eixo das atividades coloniais. Os demais setores, entre eles o tráfico de escravos, têm importante papel no reabastecimento de mão-de-obra que é fundamental à experiência colonial brasileira.

3.    A REPRODUÇÃO DO TEMPO NO ESPAÇO

Essa natureza da economia colonial, empresa mercantil exploradora das colônias e voltada para o comércio, condicionou inteiramente a formação social do país. Observam-se suas conseqüências até hoje, seja na distribuição do povoamento, na organização da estrutura econômica, na organização da propriedade, na organização do trabalho e da estrutura social.
Vimos nos itens anteriores que o que se destaca na atividade comercial é o exercício do monopólio do comércio externo pela metrópole, tanto no de exportação como no de importação, o qual teve como setor mais importante o comércio de escravos.
De forma semelhante, mas em relação a outro momento da história, o capital financeiro e comercial estrangeiro também foi um grande estímulo ao desenvolvimento das atividades produtivas no Brasil. Por exemplo, o grande aumento da lavoura cafeeira não teria sido possível sem o capital e crédito de instituições internacionais, boa parte provida por bancos ingleses e franceses.
Nesse contexto, esse investimento estrangeiro determinava efeitos perversos sobre a produção cafeeira: os intermediários – representantes de casas financeiras e bancos internacionais – compravam a produção logo após a colheita a preços extremamente baixos em consequência da intensidade da produção e o vendiam por valores muito mais altos quando a oferta era pequena no mercado internacional. Portanto, os custos altos de produção e preços de vendas reduzidos atingiam apenas o nível dos produtores.
Também no que diz respeito às relações de trabalho, a situação continua muito parecida quando a mão-de-obra utilizada era escrava. “O espírito que anima o incentivo à imigração é o mesmo: os novos povoadores serão atraídos como simples força de trabalho, para suprirem a demanda de forças propulsoras da empresa econômica montada”.
Ou seja: se no início da colonização o explorador era o português, vindo apenas para gerenciar e controlar as grandes produções, e a mão-de-obra era a dos escravos negros trazidos da África. Na era do café, o explorador eram as grandes casas financeiras e bancos e os explorados porém, eram novamente a mão-de-obra – dessa vez estrangeiros vindos da Europa –, mas eram também os produtores, que agora dependiam totalmente de empréstimos e do sucesso de suas colheitas para serem pagas as dívidas.


4.    A DUALIDADE ESTRUTURAL DO MERCADO

Na experiência brasileira se produziu uma desarticulação entre os mercados interno, que gerou uma pequena significação, e externo, que gerou uma situação de estrita dependência ao dinamismo desse mercado. O mercado interno é subsidiário e complementar à dinâmica da produção para o mercado externo.
Na história do Brasil, quando o mercado externo se contrai, logo em seguida há a decadência do mercado interno. Este último desestimula a produção, restabelecendo-se “a economia caboclo”, em que a produção para a comercialização é pequena e direto para o consumo do produtor.
Alguns fatos trouxeram modificações para a economia brasileira: a independência de fato com a transferência da Corte em 1808 e a de direito em 1822 tiveram como efeito a extensão imediata do mercado interno brasileiro. Por quê?
Eliminadas as restrições comerciais impostas pela metrópole, houve uma satisfação das novas necessidades internas devido a ampliação do mercado externo. O crescimento desse mercado foi decorrente da expansão da produção cafeeira, gerando um estímulo à reestruturação e ampliação do mercado interno. Dois fatores foram decisivos:
1)    A substituição do trabalho escravo pelos imigrantes europeus.
2)    Exigência do café em relação à produção, comercialização e transporte.
Mas a dinâmica “colonial” do sistema, consiste na absorção quase total dos recursos existentes na produção para o mercado externo, “é que desestimula outras atividades, constituindo um entrave à estruturação, com vistas às necessidades do mercado interno”. Daí a persistência da estrutural carência de gêneros de subsistência e de produtos manufaturados. A consequência dessa “carência estrutural” é o desequilíbrio das contas externas.
Produto das limitações do mercado externo observa-se: desproporcionalidade entre o crescimento de nossas necessidades e a capacidade de exportação.
A estrita subordinação às oscilações do mercado externo resulta numa persistente procura de solução dos problemas por meio da intensificação e valorização das exportações; sendo chamada de obsessão do comércio externo.
Essa obsessão assenta em uma “relativa inferioridade comercial da produção primária” – aponta para a reprodução de uma desigualdade nas trocas de produtos derivados das atividades primárias e das atividades de transformações.
A economia brasileira se organizou e dispôs suas forças produtivas em função de um mercado estranho, e não no seu próprio. Dada nossa condição ao sistema capitalista, o desafio é o de “construir o nosso capitalismo” - reestruturação dos mercados.
Na formação da sociedade brasileira, o “estimulo comercial” ou de mercado sempre se constituiu num fator singular e condicionante de nossas atividades produtivas. Diferente do capitalismo da Europa, a organização da produção do Brasil foi um problema subsidiário e secundário. E a superioridade sempre se deu em relação ao mercado externo.
Qualquer política que pretenda realizar modificações em nossa estrutura econômica deve se centrar na questão da organização do mercado interno, abrindo perspectiva para a “construção de uma economia verdadeiramente nacional”
Por meio de uma conveniente intensificação das relações comerciais interiores, enquanto instrumento de integração de uma “economia nacional”, estaria se promovendo um ajustamento na economia brasileira – que poderia acontecer entre os tipos de atividades produtivas (primária e a indústria de transformação).

   
5.    AINDA A VELHA MARCA MERCANTIL

    É evidente que, da colônia ao Brasil de hoje, grandes transformações nos conduziram a uma nova e complexa estrutura social.  Mas, ainda em relação à década de 60 ainda permanece a obsoleta forma de utilização da terra e organização agrária em nosso país, centrada na grande exploração agromercantil de produção de gêneros demandados por mercados excêntricos, na qual a sua produção visa o mercado externo e não as demandas de alimentos do próprio país.
    É a exploração agromercantil que figura no centro das atividades rurais brasileiras, embora diversamente em relação a cada região. Conservou-se até hoje uma estrutura de grandes unidades produtoras de mercadorias de exportação, mantendo-se relativamente intacta a grande exploração agrária.
    Até mesmo o anterior processo de substituição do trabalho escravo pelo livre não afetou a natureza estrutural da grande exploração. Pelo contrário, dado que os elementos estruturais da economia brasileira eram de natureza essencialmente mercantil, a introdução do trabalho livre veio de fato completar a composição do conjunto de elementos estruturais componentes do sistema capitalista.
    A colonização será uma rudimentar empresa condicionada por desfavoráveis circunstâncias: inexistência de estrutura produtora de mercadorias e inexistência de força de trabalho. No processo de superação dessas duas limitações, inicia-se a ocupação efetiva e a estruturação-institucionalização de uma formação social especifica.
    Depois de a metrópole portuguesa ter se reduzido a “simples elo intermediário e parasitário” entre o sistema internacional capitalista mercantil e o Brasil, o processo da independência significa a integração direta da nação brasileira na ordem internacional sem a mediação daquela. Caracterizou-se essa integração por um duplo aspecto: a persistência da condição economia marginal e periférica de um lado e a abertura de possibilidades de acesso a recursos tecnológicos, comerciais e financeiros provindo do centro do capitalismo mundial.
    Mas nesse processo de gestação das formas econômicas, sociais, políticas e culturais, o que se destaca é o caráter contrastante da experiência brasileira em relação a outras sociedades. O que resulta, entre outras consequências, o tornar sempre secundário a produção para a subsistência.
    Por outra parte, deve-se debitar a essas formas de colonização a configuração de uma falta de “organicidade econômica’’ na estrutura produtiva brasileira, por isso são fundamentais aqueles setores que voltam para a produção de mercadorias exportáveis ou destinadas ao mercado exterior, atribuindo especificidade e distinção à experiência brasileira.
    Essa dominância da função exportadora da estrutura positiva também se sobressai quando se observam suas consequências no abastecimento alimentar da sociedade. Por isso, tanto a insuficiente produção interna de alimento nas fazendas como a fragilidade, diante do caráter hegemônico da grande exploração, das culturas especializadas na produção alimentar para os mercados urbanos constituirão circunstancias que retratam as dificuldades do surgimento de um setor camponês na estrutura agrária da sociedade.
    A força de absorção exercida pela grande lavoura, ao tornar secundário o papel da agricultura de subsistência, produz um grave problema no país que é um estado crônico de carestia e crise alimentar.
    E nessa estreiteza histórica, acabou gerando-se um grande círculo vicioso que é o fato de se preocupar demais com a organização da produção para o mercado externo e acabar por deixar o mercado interno de lado, sendo que, novamente este é o responsável pela alimentação do país.
    Esse ciclo vicioso opera no sentido de conformar uma trajetória baseada em sucessivos ciclos produtivos que tem seus dinamismos subordinados às conjunturas do mercado externo.
    Entretanto, mesmo com a extinção do monopólio comercial de Portugal (processo de independência) a estrutura econômica não sofreu modificação, pelo contrário, vê-se um desenvolvimento cada vez maior da função exportadora, uma vez que quem irá comandar o país, serão os latifundiários.
    Com isso, o Brasil aproxima-se cada vez mais com o capitalismo internacional e isso se deveu ao fato de que nosso país, pela sua própria formação, já se encontrava integrado ao dinamismo da fase anterior de predominância do capitalismo comercial.
    Isso revelou mesmo depois de 1930, quando o café continua sendo o fundamento básico da vitalidade econômica brasileira.
    Apesar da manutenção da antes aludida situação de dependência, isso não impede a ocorrência de transformações importantes para a superação do constrangimento colonial, como o fomento e a reestruturação das atividades produtivas por meio de sua diversificação, a lenta e progressiva reorganização do mercado de trabalho, a intensificação e expansão das relações comerciais e financeiras, externas e internas, o surgimento de um mercado de consumo interno contestador das práticas econômicas tradicionais.

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